Ler ou não ler? Eis a questão....
Dalila Teles Veras
"A leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto se falar em felicidade obrigatória". Jorge Luiz Borges
O brasileiro não lê porque o livro é caro? errado. O brasileiro não lê porque não o acostumaram a ler. O preço do CD é equivalente ao do livro e, no entanto, vendem-se CDs aos milhões enquanto que uma edição de sucesso de uma obra literária, não ultrapassa, em média, três mil exemplares.
Não podemos esquecer também das bibliotecas onde um livro não custa nada, basta retirá-lo, além dos "sebos", livrarias de livros usados, onde se pode adquirir raridades por preço de banana.
Na verdade, a grande maioria dos brasileiros não lê porque na escola não o ensinaram a ler, no sentido mais profundo da palavra, ou seja, apreender o que está escrito, refletir, questionar, "viajar" com um texto.
Obrigar o aluno a ler um livro de literatura com a obrigatoriedade de responder a um questionário elaborado pelas editoras, para o qual o professor possui as respostas, também elaboradas previamente, é decretar uma sentença definitiva: -Você nunca será um leitor. Fazer o aluno decorar escolas literárias e todas as suas características sem nunca ler uma obra sequer de um dos autores que dela fizeram parte (o que importa é saber as questões que vão cair no vestibular) é outro pequeno assassinato que deveria ser severamente punido.
A indústria da educação brasileira, ensina apenas para o aluno passar no vestibular. A formação humanística, a compreensão do mundo através de sua história, não está em questão. A questão é "passar ou passar", ou seja, competir e ganhar a corrida para a glória do canudo universitário.
A leitura deveria ser passada para a criança e os adolescentes como uma busca, uma ação lúdica e prazerosa, que pode perfeitamente substituir com igual grau de prazer uma ida ao cinema, um dia na praia ou um churrasco no sítio, sem qualquer remorso.
Todos aqueles que já descobriram o prazer da leitura, o gosto de elaborar, ele mesmo, o "seu" personagem, a "sua" paisagem, voltar a página e emocionar-se de novo com aquelas cenas que mais os tocaram, jamais abrirão mão dessa "descoberta". É um vírus que, uma vez contraído, não tem mais cura. É um não acabar mais de descobrir; uma leitura vai sempre remetendo a outra e a vida torna-se tão curta para tanto livro a ser lido.
Só mesmo o portador desse vírus sabe avaliar a diferença entre a "viagem" da leitura e a cena dada pronta, como a daquela via TV. Assistir TV é cômodo e chega a ser hipnótico. Não há participação de quem está do lado de cá, o espectador é passivo, recebe o prato feito, não tem possibilidade de criar, de imaginar, de "viajar". A cena que ele está vendo é só aquele cena, a mesma cena que outros milhões de telespectadores também estão vendo. Ao passo que, no ato de ler a mesma página de um livro, um mesmo poema que tantos outros já leram, entra em jogo o nosso poder de imaginar, de recriar, próprio do ser humano e que os meios de comunicação de massa encarregaram-se de destruir.
Quem possui livros jamais está só. Fazem-lhe companhia os melhores espíritos da humanidade, encantados em suas páginas, esperando apenas as mãos que os folheiem, para que, num passe de págica, se desencantem e cumpram o fato estético de que falou Borges: o livro aberto e a vida recriada.
Ninguém é o mesmo depois de ler um bom livro, ninguém sai ileso dessa empreitada. A literatura modifica, transforma, porque faz refletir e sonhar. A televisão, ao contrário, foi feita para não dar tempo de pensar; não informa porque é veloz e fragmentada e não propicia um visão de compreensão de mundo, como um todo e nem a compreensão da história, como processo e acúmulo de valores agregados. Após a décima notícia do Jornal Nacional, o espectador não consegue mais lembrar da primeira, nem da maioria, devido à incrível rapidez da linguagem televisiva, feita propositadamente para alienar.
Quem ainda duvidar, tente ainda hoje: troque uma hora da televisão pela leitura de algumas páginas da melhor literatura. O resultado será, garanto, altamente compensador.
Sobre a Autora:
Dalila Teles Veras, natural do Funchal (Madeira-Portugal), 1946. Radicada no Brasil desde 1957 (São Paulo, Capital) e desde 1972 residente em Santo André (SP).
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